“O sonho é uma pequena porta oculta nos recônditos mais profundos e secretos da alma, abrindo-se para a noite cósmica que era psique muito antes de haver qualquer consciência do ego, e que continuará a ser psique por mais que nossa consciência do ego expanda […] Restou ao racionalismo da nossa era explicar o sonho como os vestígios remanescentes do dia, como as migalhas que caem sobre o mundo escuro vindas da mesa ricamente coberta da nossa consciência. Essas sombrias profundezas são então apenas um saco vazio que não contém nada além do que cai sobre ele vindo de cima […] Seria muito mais verdadeiro dizer que a nossa consciência é esse saco, que nada contém dentro de si além do que por acaso cai dentro dele.” (C.G.Jung, Obras Completas)
Essa citação reflete a visão profunda de Carl Jung sobre a natureza dos sonhos e sua relação com a psique humana. Vou explicá-la por partes, destacando seus principais significados e implicações dentro da psicologia analítica.
1. “O sonho é uma pequena porta oculta nos recônditos mais profundos e secretos da alma…”
Jung começa descrevendo o sonho como um portal para os aspectos mais profundos e misteriosos do nosso inconsciente. Para ele, os sonhos não são apenas produtos do dia a dia ou manifestações triviais; eles são janelas para o inconsciente coletivo e pessoal, onde se encontram arquétipos, símbolos e energias psíquicas que transcendem a experiência do ego.
- “Noite cósmica que era psique muito antes de haver qualquer consciência do ego”: Aqui, Jung sugere que o inconsciente é muito mais antigo do que a consciência racional. Ele remonta à psique primordial, que existia antes mesmo de a humanidade desenvolver a consciência de si. Os sonhos, nesse contexto, são ecos dessa dimensão arcaica da psique, conectando-nos a um tempo em que éramos guiados por instintos e forças simbólicas.
2. “Restou ao racionalismo da nossa era explicar o sonho como os vestígios remanescentes do dia…”
Jung critica a abordagem racionalista, comum em sua época e ainda predominante, que vê os sonhos como um fenômeno puramente residual — como uma espécie de “digestão mental” de experiências cotidianas. Essa visão, segundo Jung, reduz os sonhos a algo superficial e ignora sua profundidade.
- “Migalhas que caem sobre o mundo escuro”:
Essa metáfora enfatiza a maneira como o racionalismo despreza o inconsciente, tratando-o como uma sombra que apenas reflete os fragmentos da vida consciente, sem reconhecer sua riqueza e autonomia.
3. “Seria muito mais verdadeiro dizer que a nossa consciência é esse saco, que nada contém dentro de si além do que por acaso cai dentro dele.”
Nesse ponto, Jung inverte a lógica racionalista. Ele afirma que a consciência, ao contrário do que pensamos, é limitada e frequentemente dependente do que emerge do inconsciente.
- O “saco vazio”:
A consciência é um espaço receptivo e limitado, que não contém todas as respostas ou conhecimentos. Tudo o que vivenciamos na consciência vem do inconsciente ou é mediado por ele. Portanto, os sonhos, longe de serem restos sem valor, são na verdade manifestações essenciais da psique, que muitas vezes oferecem insights profundos e transcendem as limitações do ego.
O significado maior da citação
Jung está nos convidando a reconsiderar o valor dos sonhos e do inconsciente. Ele sugere que, em vez de olhar para os sonhos como algo derivado da consciência, devemos reconhecer que nossa consciência é apenas uma pequena fração da psique. O inconsciente é vasto, profundo e primordial, enquanto a consciência é um “saco vazio” que depende do fluxo das profundezas psíquicas para existir.
- Implicações para a análise dos sonhos:
Os sonhos, nessa visão, são mais do que projeções ou resíduos. Eles são mensagens simbólicas do inconsciente, oferecendo orientações, avisos ou caminhos para a individuação — o processo de integrar o ego com as dimensões mais profundas do self.
Como essa visão se aplica a nós?
Para Jung, compreender os sonhos é essencial para entrar em contato com os mistérios da nossa própria psique. Eles nos ajudam a transcender as limitações do ego, conectando-nos às dimensões arquetípicas e coletivas da alma. Ao ignorar os sonhos ou reduzi-los a explicações simplistas, perdemos a chance de acessar essa sabedoria interna e ancestral.
Dra. Luana Schuarts
CRM 38301 | RQE 28408
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