Albert Einstein e Carl Gustav Jung eram figuras proeminentes em campos diferentes: Einstein um físico teórico conhecido por sua teoria da relatividade, Jung um psiquiatra e psicoterapeuta que fundou a psicologia analítica. Embora suas áreas de estudo fossem distintas, houve encontros entre eles que geraram diálogos interessantes.
O interesse de Jung pela física e pela teoria da relatividade de Einstein acabou influenciando indiretamente suas ideias. A física moderna, que inclui também a contribuição de outros físicos famosos, forneceu o contexto histórico apropriado para a formulação da teoria da sincronicidade de Jung. Esta se refere à ideia de interconexão entre eventos simultâneos sem casualidades relacionadas; como Jung cita pela primeira vez em seu ensaio:
“não se pode falar de causa e efeito, mas de uma coincidência no tempo, uma espécie de simultaneidade. Por causa do caráter dessa simultaneidade, escolhi o termo sincronicidade para designar um fator hipotético de explicação equivalente à causalidade.” (JUNG, 2014)
Em uma carta a Carl Seelig, escritor e jornalista suíço que escreveu uma biografia de Albert Einstein, Jung escreve:
“ O Professor Einstein foi meu convidado para jantar em muitas ocasiões… Estava ele começando então a desenvolver a sua primeira teoria da relatividade. Procurando instilar em nós os elementos dela, com maior ou menor dose de êxito. Como não-matemáticos, nós, psiquiatras, tínhamos certa dificuldade em seguir sua argumentação. Compreendi, no entanto, o suficiente para formar uma poderosa impressão de Einstein. Foi, sobretudo, a simplicidade e franqueza de seu gênio como pensador que me impressionou de modo irresistível e exerceu uma duradoura influência sobre o meu próprio trabalho intelectual. Foi Einstein quem primeiro me levou a pensar sobre uma possível relatividade tanto do tempo quanto do espaço, a sua condicionalidade psíquica. Mais de trinta anos depois, esse estímulo propiciou o meu relacionamento com o físico Professor W. Pauli, e a elaboração da minha tese sobre sincronicidade psíquica. “ ( STEIN, 2006).
De fato, Einstein foi muito admirado não apenas pela sua inteligência e sabedoria incomparáveis, mas também pela aura carismática da sua personalidade que transmitia simplicidade, bondade e gentileza, atributos de um homem de notável “grandeza espiritual”, como denominavam alguns que o conheceram pessoalmente.
No entanto nem sempre foi assim. Um de seus filhos relatou que Einstein foi uma criança tímida, solitária e retraída do mundo. Os seus professores chegaram a descrevê-lo como lento, insociável e “eternamente perdido nos seus sonhos tolos”. Incompreendido pelas pessoas ao redor, Einstein ainda jovem, tentou se separar dos demais objetivando ser minimamente influenciado pelos outros. Além da sua introspecção, outra característica marcante de sua personalidade era a sua aversão à autoridade e o ressentimento a tudo o que interferisse na sua liberdade individual. Esse seu “afastamento de influências externas” e sua confiança nas suas próprias constatações proporcionou um olhar único e não convencional para a resolução de problemas científicos.
A formulação da teoria da relatividade evidencia sua capacidade de se libertar do preconceito subjetivo implícito de ser um habitante da Terra, tendo a imaginação suficiente para se colocar na posição de um observador viajando de forma independente no espaço, à velocidade da luz. Foi assim que foi derrubada a suposição geral de que o tempo era um conceito absoluto, isto é, que dois eventos ou aconteciam de forma simultânea ou um precedia o outro:
“ A teoria da relatividade mostrou que não era assim, e que o mesmo evento poderia parecer a um observador preceder outro evento; para outro observador os dois eventos seriam simultâneos e ainda, para outro, a ordem seria inversa”. (STORR, 2013).
Como Einstein já havia declarado certa vez a um amigo, trabalhar em sua física foi a maneira que encontrou de ser independente das pessoas e sua criatividade era em parte motivada por um desejo de escapar da vida comum a fim de encontrar a paz e a harmonia que a existência cotidiana não conseguia suprir.
Apesar de ser uma personalidade afetuosa, acessível e generosa, Einstein não cultivava relacionamentos profundos com outras pessoas. O seu amor pela humanidade parecia suplantar o seu amor pelo indivíduo. Isso me fez lembrar de uma passagem do livro “Memórias, Sonhos e Reflexões”, em que Jung declara:
“Quando alguém sabe mais que os outros, torna-se solitário. Mas a solidão não significa, necessariamente, oposição à comunidade; ninguém se sente mais profundamente ligado a comunidade do que o solitário, e esta só floresce quando cada um se lembra de sua própria natureza, sem identificar-se com os outros”.(JUNG,2014)
Podemos inferir da jornada de Einstein que a expressão das suas potencialidades individuais e seu respeito profundo à sua originalidade e ao seu pensamento criativo o ajudaram não apenas no desenvolvimento de suas teorias e nas suas brilhantes contribuições à ciência. Einstein também demonstrou certo êxito em se conectar com sua essência mais profunda indo em direção à sua totalidade e autenticidade. Segundo a teoria analítica chamamos este processo de individuação, que é o desenvolvimento psicológico e espiritual que nos possibilita uma vida mais plena de sentido e significado.
Na teoria analítica junguiana, a sincronicidade, a individuação e a função transcendente são conceitos interligados que explicam o desenvolvimento do ser humano em direção a uma totalidade mais integrada e harmoniosa. A sincronicidade, como mencionado, refere-se a eventos significativos que ocorrem simultaneamente sem uma relação causal aparente, mas que possuem um profundo significado subjetivo para o indivíduo. Este conceito não apenas desafia as leis tradicionais da causalidade, mas também abre uma porta para entender a interconexão entre a psique individual e o universo.
A individuação é o processo central na teoria junguiana, referindo-se ao desenvolvimento psicológico pelo qual um indivíduo se torna uma totalidade singular. Este processo envolve a integração consciente de aspectos do inconsciente, incluindo a sombra (aspectos reprimidos ou não reconhecidos da personalidade), o animus/anima (elementos do gênero oposto presentes na psique) e o self (a totalidade do ser). A individuação é, portanto, o caminho para a realização do potencial completo de uma pessoa, levando-a a uma vida mais autêntica e significativa.
A função transcendente é o mecanismo pelo qual a integração consciente e inconsciente ocorre, facilitando o processo de individuação. Este conceito se refere à capacidade da psique de gerar novas possibilidades de resposta e adaptação através da reconciliação de opostos. Jung descreve a função transcendente como o produto de um diálogo contínuo entre o consciente e o inconsciente, que resulta em uma transformação e expansão da consciência.
A relação entre sincronicidade e individuação pode ser exemplificada pela forma como experiências de sincronicidade frequentemente surgem em momentos críticos do processo de individuação. Tais eventos sincronísticos não apenas fornecem um sentido de propósito e direção, mas também confirmam que o indivíduo está alinhado com o fluxo mais profundo da vida. As sincronicidades podem ser vistas como sinais que a psique utiliza para guiar o indivíduo em seu caminho de desenvolvimento.
Voltando à influência de Einstein na formulação da sincronicidade, a relatividade do tempo e do espaço que ele propôs ressoou profundamente com Jung, levando-o a considerar a relatividade psíquica. A visão de Einstein sobre a natureza fluida e interconectada do universo físico inspirou Jung a explorar essas mesmas qualidades no reino psicológico. A ideia de que eventos aparentemente desconectados podem ter uma conexão significativa subjacente é uma extensão natural do princípio da relatividade de Einstein aplicada à psique.
Essa interconexão e a fluidez dos limites entre o consciente e o inconsciente são essenciais para a função transcendente. Quando um indivíduo enfrenta um conflito interno, a função transcendente trabalha para integrar os opostos dentro da psique, resultando em uma nova síntese que promove o crescimento pessoal. A experiência de sincronicidade pode, então, ser vista como uma manifestação externa desse processo interno de reconciliação e integração.
Por exemplo, quando uma pessoa está passando por um período de intenso conflito interno ou transformação, pode começar a notar coincidências significativas que parecem refletir sua situação interna. Esses eventos sincronísticos não apenas validam a experiência subjetiva do indivíduo, mas também servem como catalisadores para a continuação do processo de individuação, proporcionando insights e encorajamento.
Assim, a sincronicidade, a individuação e a função transcendente se entrelaçam na teoria junguiana para explicar como os indivíduos se movem em direção a uma totalidade mais integrada. Através da função transcendente, a psique é capaz de transformar conflitos internos em novas possibilidades de ser, enquanto as experiências sincronísticas fornecem orientação e significado, afirmando que o caminho da individuação é, de fato, um movimento em direção à realização do self e da verdadeira natureza do indivíduo.
Referências Bibliográficas:
STEIN, O Mapa da Alma, 5ªed. São Paulo: Cultrix, 2006
STEIN, Sincronizando Tempo e Eternidade, 1ªed. São Paulo: Cultrix, 2021
STORR, A Dinâmica da Criação, tradução Ana Claudia Fonseca e Claudia Gerpe Duarte. São Paulo: Benvirá, 2013
JUNG, Memórias, Sonhos e Reflexões, 30ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016
JUNG, A Natureza da Psique. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VIII/2. Petrópolis: Vozes, 2014
JUNG, C. G. O eu e o inconsciente. In: Obras Completas de C. G. Jung, vol. VII/2. Petrópolis: Vozes, 2015
VON FRANZ, Marie-Louise. C. G. Jung: seu mito em nossa época. São Paulo: Cultrix, 1992.
Deixe um comentário