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Título

Ansiedade Climática: Como Lidar com Esse Novo Desafio Mental

Autora
Dra. Luana Schuarts

Boa leitura.

Me chamo Luana Miara Schuarts, sou médica psiquiatra e psicoterapeuta junguiana, e venho observando um fenômeno crescente que afeta a saúde mental de diversas pessoas, especialmente os jovens: a ansiedade climática. Este tipo de ansiedade reflete as preocupações profundas com as mudanças climáticas e o futuro do planeta, manifestando-se de maneiras que podem impactar significativamente o bem-estar emocional e psicológico.

Combinando minha experiência na prática psiquiátrica e psicoterapêutica, especialmente sob a perspectiva da psicologia analítica junguiana, este artigo tem como objetivo esclarecer o que é a ansiedade climática e fornecer orientações práticas para ajudar tanto os jovens quanto as gerações mais avançadas a identificar e lidar com esse fenômeno. Ao explorar dados recentes de estudos internacionais, como o da The Lancet, e trazer à tona a realidade brasileira, espero oferecer um entendimento mais profundo e ferramentas para enfrentar essa questão com resiliência e consciência.

Ansiedade Climática: Um Desafio Global Crescente

A crise climática não afeta apenas o meio ambiente, mas também a saúde mental de pessoas em todo o mundo. Com o aumento da conscientização sobre os impactos das mudanças climáticas, um novo fenômeno psicológico está ganhando destaque: a ansiedade climática. Esse tipo de ansiedade reflete o medo e a preocupação com as consequências presentes e futuras do aquecimento global, e tem se mostrado especialmente prevalente entre os jovens.

O que é ansiedade climática?

Ansiedade climática refere-se ao sofrimento emocional causado pela percepção das mudanças climáticas e pela incerteza sobre o futuro do planeta. Um estudo global publicado pela The Lancet em 2021, que entrevistou 10.000 jovens de 16 a 25 anos em 10 países, revelou que 59% deles se disseram muito ou extremamente preocupados com o clima, e 84% estavam pelo menos moderadamente preocupados​ (HICKMAN et al., 2021). Os sentimentos mais relatados incluem tristeza, ansiedade, raiva, impotência e culpa​ (HICKMAN et al., 2021).

Essa ansiedade pode ter um impacto direto na vida cotidiana. No mesmo estudo, 45% dos jovens relataram que suas preocupações com o clima afetavam negativamente seu funcionamento diário, prejudicando sua capacidade de concentração, produtividade e interação social (HICKMAN et al., 2021).

Por que os jovens estão tão preocupados?

As gerações mais novas crescem sob a sombra de uma crise ambiental que parece inevitável. Muitos jovens relatam sentir que o futuro é assustador – 75% dos entrevistados no estudo da The Lancet afirmaram que têm medo do que o futuro reserva​ (HICKMAN et al., 2021). Além disso, 83% dos jovens acreditam que a humanidade falhou em cuidar do planeta​ (HICKMAN et al., 2021). Esse sentimento de abandono não vem apenas da percepção da crise em si, mas também da inação dos governos para enfrentar de forma eficaz as mudanças climáticas.

A percepção das respostas governamentais

Grande parte da ansiedade climática é alimentada pela percepção de que os governos não estão fazendo o suficiente para combater as mudanças climáticas. Mais da metade dos jovens entrevistados no estudo classificou as respostas dos governos como inadequadas, e muitos relataram sentimentos de traição​ (HICKMAN et al., 2021). A falta de ação é vista como uma violação moral, já que as gerações mais velhas e os governantes são vistos como responsáveis por deixar um legado de destruição para as futuras gerações.

A Situação no Brasil: Ansiedade Climática entre os Jovens

No Brasil, a ansiedade climática também é uma realidade crescente. De acordo com o estudo da The Lancet de 2021, 74% dos jovens brasileiros relataram que o futuro lhes parece assustador​ (HICKMAN et al., 2021). Esse dado coloca o Brasil entre os países com maior nível de preocupação em relação às mudanças climáticas.

Além disso, 69% dos jovens brasileiros disseram sentir tristeza em relação ao clima, e 65% relatam ansiedade​ (HICKMAN et al., 2021). O impacto emocional vai além da tristeza e ansiedade, pois muitos também expressam sentimentos de desamparo e impotência (64%) diante da crise​ (HICKMAN et al., 2021).

Outro dado alarmante é o sentimento de traição que muitos brasileiros sentem em relação às respostas governamentais. Aproximadamente 58% acreditam que o governo falhou com as futuras gerações, o que intensifica a sensação de abandono e o impacto emocional​ (HICKMAN et al., 2021).

Essas preocupações não afetam apenas as emoções, mas também a vida cotidiana. Cerca de 35% dos jovens no Brasil relatam que suas preocupações com o clima afetam seu funcionamento diário​ (HICKMAN et al., 2021). Isso reforça a urgência de lidar com a ansiedade climática no Brasil e promover ações que possam mitigar esses efeitos tanto no nível governamental quanto pessoal.

Como Identificar a Ansiedade Climática

A ansiedade climática pode se manifestar de diversas formas e não é limitada a jovens. Pessoas de todas as idades podem experimentar sintomas como:

  • Preocupação excessiva com o futuro do planeta e com as gerações futuras.
  • Sensação de impotência diante da inação das autoridades ou da gravidade da crise.
  • Tristeza profunda ou desespero ao presenciar desastres naturais ou eventos climáticos extremos.
  • Dificuldade de concentração ou desmotivação em relação a tarefas do dia a dia, associadas ao sentimento de que “nada faz sentido”.
  • Insônia ou mudanças no apetite ligadas à ansiedade.
  • Afastamento social devido ao sentimento de alienação ou de não ser compreendido ao compartilhar preocupações sobre o clima.

Se esses sinais persistirem e interferirem no funcionamento cotidiano, pode ser importante buscar ajuda de um psiquiatra e/ou psicoterapeuta..

Estratégias para lidar com a Ansiedade Climática

  1. Aceitar a realidade do problema: Entender que a ansiedade climática é uma resposta natural a uma ameaça real pode ajudar a normalizar os sentimentos. Isso evita que a pessoa se sinta “incomum” por estar preocupada.
  2. Ação como forma de alívio: Encorajar ações coletivas ou individuais, como o engajamento em projetos ambientais ou a participação em grupos que promovem mudanças climáticas. Esse tipo de atividade pode aliviar a sensação de impotência.
  3. Práticas de atenção plena (mindfulness): Técnicas como meditação, respiração profunda e yoga podem ajudar as pessoas a regular suas emoções e a focar no presente, reduzindo o impacto da ansiedade.
  4. Apoio psicológico baseado na Psicologia Analítica: A abordagem junguiana pode ser especialmente eficaz para lidar com a ansiedade climática, pois reconhece o impacto profundo que questões coletivas e ambientais podem ter sobre o inconsciente individual e coletivo. Através da psicoterapia analítica, os pacientes podem explorar os símbolos e arquétipos relacionados à natureza e ao ambiente, integrando essas experiências de forma mais saudável e construtiva. A psicologia analítica também enfatiza a importância de encontrar sentido em meio à adversidade, o que pode ser uma forma poderosa de transformar a ansiedade climática em ação e conscientização.
  5. Tratamento psiquiátrico quando necessário: Em casos mais graves, onde a ansiedade climática resulta em um sofrimento intenso ou comprometimento significativo do funcionamento diário, o tratamento psiquiátrico pode ser indicado. O acompanhamento com um psiquiatra pode incluir o uso de medicações ansiolíticas ou antidepressivas, que auxiliam no controle dos sintomas enquanto a pessoa desenvolve ferramentas emocionais para lidar com o estresse relacionado ao clima. Cada caso deve ser avaliado individualmente para determinar a melhor abordagem terapêutica.
  6. Diálogo intergeracional: Incentivar conversas entre gerações pode ajudar a reduzir o isolamento e promover um entendimento mútuo. Enquanto os jovens expressam sua angústia, as gerações mais velhas podem oferecer perspectivas que ajudam a canalizar o medo para ações construtivas.
  7. Cuidado com o consumo de informações: Muitas vezes, o excesso de informações sobre desastres climáticos pode exacerbar a ansiedade. Recomendar que as pessoas limitem seu tempo de exposição a notícias ou redes sociais relacionadas ao tema pode ser útil.

Lidando com as Gerações Mais Velhas

Pessoas de gerações mais avançadas podem sentir ansiedade climática de forma diferente, muitas vezes acompanhada de culpa ou arrependimento por decisões e estilos de vida que contribuíram para a crise. A orientação para essas pessoas pode envolver:

  • Reconhecer suas contribuições positivas ao longo da vida e identificar maneiras de reverter ou mitigar impactos negativos.
  • Envolver-se com comunidades locais que promovam a regeneração ambiental, criando um senso de propósito em relação ao futuro.
  • Focar no legado: Encorajá-los a ver a ação climática como uma oportunidade de deixar um legado positivo para as próximas gerações.

A ansiedade climática é um reflexo do cuidado e da empatia que muitos jovens têm pelo planeta. Como sociedade, é nosso dever não apenas escutar suas preocupações, mas agir de maneira responsável e ética, garantindo que o futuro seja habitável e justo para todos. Integrar abordagens que envolvem ação coletiva, apoio emocional e práticas de autocuidado pode ajudar a enfrentar os desafios que a ansiedade climática impõe, promovendo um futuro mais resiliente e sustentável.

Referência completa:

HICKMAN, Caroline; MARKS, Elizabeth; PIHKALA, Panu; CLAYTON, Susan; LEWANDOWSKI, R. Eric; MAYALL, Elouise E. et al. Climate anxiety in children and young people and their beliefs about government responses to climate change: a global survey. The Lancet Planetary Health, [s.l.], v. 5, n. 12, p. 863-873, 2021. DOI: https://doi.org/10.1016/S2542-5196(21)00278-3.

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